Entrevista com o locutor Sérgio Moraes- "Dos Pampas aos Seringais"

Ao "navegar" pela internet, encontrei uma entrevista cedida por Sérgio Moraes, locutor esportivo gaúcho, que fez sucesso pelas rádio Nacional(khz 1130 am), Globo(khz 1220 am) e Excelsior(Bahia).Sérgio foi pai do excelente radialista/repórter da rádio Tupi (khz 1280 am), Sérgio Américo.

A entrevista foi dada a uma pessoa(que não divulgou o seu nome na internet) no Rio Grande do Sul em 26 de outubro de 2001 e gravada nos estúdios Famecos/PUCRS- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Que vocês tenham uma excelente leitura,

com carinho,

Isabela Guedes.
blogdoradiocarioca@yahoo.com.br

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Sérgio Moraes - Eu sou Sérgio Moraes, nascido em Lajeado, criado em Rio Pardo, quando cheguei com um ano de idade, dia 11 de julho de 1936, autodidata como jornalista profissional. Porque pelo tempo que eu tenho, é evidente que a comunicação social e a expressão com várias áreas de comunicação, de publicidade, enfim, de todas as partes importantes do jornalismo, ainda não se tinha a chance de se cursar a faculdade. Então a gente fazia o primário, fazia o ginásio, fazia o científico ou base, e eu tive a felicidade de, no 8o Regimento de Infantaria Motorizada do Rio Grande do Sul, em Santa Cruz do Sul, de ganhar praticamente o meu registro de jornalista profissional, porque eu fiz comunicação na escola do Exército. Fazendo esse curso de comunicação, saí da Rádio Rio Pardo e fui para a Rádio Santa Cruz do Sul, da Rádio Santa Cruz do Sul vim para a Rádio Clube Metrópole, Rádio Canoas, aqui em Porto Alegre. Narrei um jogo, entre o Internacional e o Floriano, de Novo Hamburgo, e a Rádio Gaúcha me contratou. Ali eu troquei tudo.

P - Vamos voltar um pouquinho. Vamos voltar para onde tudo começou. Primeiro contato com o jornalismo e com o rádio.

Sérgio Moraes - Primeiro de agosto de 1954, como locutor comercial da Rádio Rio Pardo. E operador também...

P - Mas como é que foi? O senhor bateu lá na porta, dizendo...

Sérgio Moraes - Não, eu não tinha outra coisa para fazer. Naquela época, meu amigo, logo depois da Segunda Guerra Mundial, dez anos depois é um tempo escasso, a barra era pesada. Oito irmãos. Um hoje engenheiro agrônomo. Outras são professoras universitárias, outra é professora de escola normal. E vai por aí. Aí vem os sobrinhos, e na continuação da família vem médicos, tem advogados... Mas foi em primeiro de agosto de 1954. Na Rádio Rio Pardo. E daí fui para a Rádio Santa Cruz do Sul. Quando servi o Exército, fiz esse curso de comunicação, dentro do Exército.

P - E foi aí que o senhor decidiu que queria ir para a área da comunicação?

Sérgio Moraes - Foi, foi. Eu primeiro fui para arrumar um dinheirinho, né.

P - Mas foi pela voz?

Sérgio Moraes - Pela voz, pela voz. E pela dinâmica que eu tinha, quando era mais rapaz, mais menino. Entrei na Rádio Rio Pardo e na Rádio Santa Cruz, que era integrante das Emissoras Reunidas, cujo diretor-presidente era Frederico Arnaldo Ballvé, ex-presidente do Internacional. Eu vim para a Rádio Clube, Rádio Canoas, que eram de Porto Alegre as duas, e transmiti um jogo de futebol, que foi Internacional e Floriano. É impressionante isso. Troquei tudo. Branco por preto, amarelo por azul, e os jornalistas, radialistas atrás de mim rindo abertamente. Mas eu não queria nem saber. Lá vai Martins para o ataque... dominou, parou, girou, entregou a João Carlos... Só que um era branco e o outro era preto. O que eu dizia que era branco, era preto. E o que era preto, era o branco. Mas tinham duas pessoas no estádio. Uma se chamava Ari dos Santos. Minto, três. Que são fraternas para mim até hoje. Que são Ari dos Santos, que foi o que me telefonou e disse: "Pô, com essa voz, não é possível. Com esse português e com essa tranqüilidade de expressão... Ele pode até estar trocando tudo, mas não é bobo". Então estavam o Ari dos Santos, Cândido Norberto e o Samuel Madureira Coelho. O Cândido é o pai do Lauro, que trabalha com vocês aqui e é meu amigo até hoje. Bom, isso é um assunto que vem depois, mas na Copa de 1978 estávamos o tempo todo juntos. Jantávamos, íamos trabalhar. Claro que ele ia para o hotel dele e eu ia para o meu.

P - Importante ressaltar isso...

Sérgio Moraes - Não, muito importante. Então, eu tenho a primeira Copa do Mundo, fiz cinco, em 1978, na Argentina, pela Rádio Nacional, que é inclusive o maior canhão de potência desse país. Em 1982, eu fiz a Copa do Mundo da Espanha pela Rádio Excelsior, da Bahia, e Rádio Clube, de Pernambuco, comandando uma rede Norte-Nordeste. Em 1986 eu voltei para o Rio e fiz a Copa do Mundo pela Rádio Tupi. No México. Em 1990, pela Rádio Capital do Rio e Capital de São Paulo, na Itália. Em 1994, pela Rádio Nacional, que aí eu fiz duas Copas, nos Estados Unidos

P - Mas Sérgio, são tantas rádios. Quanto tempo deu de rádio?

Sérgio Moraes - Vocês vão fazer eu passar vergonha. Deixa eu ver (começa a fazer as contas)... 47 anos de rádio. Eu tenho que fazer a conta. Tem que ser rapidinho. Aqui: Rádio Rio Pardo, Rádio Santa Cruz do Sul, Rádio Clube de Porto Alegre, Rádio Canoas, vamos pela escala ascendente... Rádio Gaúcha, Rádio Farroupilha, Rádio Difusora, de Itajaí, em Santa Catarina, Rádio Globo, no Rio de Janeiro, Rádio Tupi, Rio, Rádio Capital, Rio, Rádio FM Marapendi, na Barra da Tijuca, no Rio, Rádio Bandeirantes do Rio, Rádio Brasil Central, de Goiânia, Rádio Excelsior, da Bahia, Rádio Santamariense, de Santa Maria, fiz um estadual de basquete para eles, Rádio Guanabara, do Rio... Nisso aí tem três vezes a Rádio Gaúcha, duas vezes a Rádio Farroupilha, duas vezes a Rádio Nacional. O que é bom, porque eu não deixava rabo , deixava a porta aberta.

P - Mas quantas rádios já deram?

Sérgio Moraes - Vamos de novo, vamos de novo. Dá umas trinta. Vamos de novo. Rádio Rio Pardo, Rádio Santa Cruz, Rádio Clube Metrópole, Rádio Canoas, Rádio Gaúcha, Rádio Capital Porto Alegre, Rádio Bandeirantes, Porto Alegre, onde fui chefe de esportes, Rádio Farroupilha, Rádio Difusora, de Itajaí, primeiro foi a Difusora de Porto Alegre, meu Deus... Rádio Globo, Rádio Capital Rio, Rádio Bandeirantes Rio, Rádio Guanabara, Rio, Rádio Tupi do Rio, Rádio Nacional do Rio, Rádio Mauá, Rio, Rádio Brasil Central, de Goiânia, Rádio Aliança, de Concórdia, Rádio Excelsior, da Bahia, Rádio Clube de Pernambuco. O que deu aí? 22? São, na verdade, 33.

P - Voltando um pouco lá no início, contando a sua primeira narração de futebol, o nosso objetivo é contar a história, como tudo aconteceu. Como é que surgiu essa oportunidade? Essa chance de narrar.

Sérgio Moraes - Eu fui descoberto pelo Cândido Norberto, pelo Ari dos Santos e pelo Samuel Madureira Coelho.

P - Mas aí você já estava narrando...

Sérgio Moraes - Pois é, eu já narrava na Rádio Santa Cruz do Sul. E na Rádio Rio Pardo.

P - Mas tudo começou mais na área comercial, com locutor comercial. Como foi essa mudança para a área esportiva?

Sérgio Moraes - Porque eu jogava futebol, joguei no Avenida, de Santa Cruz do Sul, na Segunda Divisão de Profissionais, e brincava muito com a turma, quando a gente concentrava. E antes de ir para o Exército eu ficava falando (imitando ele mesmo) "Lá vai Tesourinha, para Larri, para Assis...". Eu brincava muito com isso. Da época nossa.

P - Em que ano ?

Sérgio Moraes - Isso em 1955. Então eu começava a brincar. E na hora que apareceu a necessidade... Eu fiz jogos pela Rádio Rio Pardo, mas eram jogos de brincadeira. No ar. Fiz jogos também pela Rádio Santa Cruz do Sul. Quando o Avenida não jogava eu narrava os jogos do Santa Cruz. Mas sem muita responsabilidade. A grande oportunidade foi Floriano e Internacional, no Estádio dos Eucaliptos. Foi quando o Ari dos Santos, o Cândido e o Samuel me descobriram.

P - Isso aí em...

Sérgio Moraes - Isso foi em 1957. Foi o ano que eu entrei. Entrei na Gaúcha no dia primeiro de abril de 1957. Dia da mentira, hein.

P - E aí? Como foi?

Sérgio Moraes - Aí eles ligaram para mim, na Rádio Metrópole. O Ari dos Santos ligou. Pesquisaram, descobriram onde eu estava. Eu fiquei dez minutos conversando com o Ari dos Santos no telefone. (imitando o Ari) "Então, você estará aqui hoje à tarde?"( imitando Ari) "Não, não. Vou aí agora". "Então, tá. Te espero aqui, são onze horas da manhã". Quando ele baixou o telefone no gancho eu abri a porta da sala da Gaúcha e entrei. Tamanha a rapidez, porque eu não podia perder uma oportunidade dessas. Na verdade eu levei uma meia hora, mas era muito grande a vontade que eu tinha de entrar, já que eu abracei a causa de narrar futebol. Fui à luta.

P - Mas você já tinha abraçado a causa antes de ser descoberto ou no momento que recebeu a proposta da Gaúcha?

Sérgio Moraes - Abracei quando a Rádio Gaúcha me contratou. Porque eu irradiava mesmo era na brincadeira. Olha, não tem locutor, eu vou lá e faço. Fazia bem, mas abraçar mesmo foi quando eu entrei na Rádio Gaúcha, porque aí a responsabilidade foi total. A Gaúcha não brinca. A Gaúcha, a história dela é de seriedade. E modéstia à parte eu entrei como repórter. Não entrei como narrador. Ganhei cinco anos o troféu de melhor repórter da cidade de Porto Alegre. Cinco. De 1957 a 1962. Parte de esportes. A ARI (Associação Riograndense de Imprensa). Eu ganhei cinco anos seguidos.

P - E sempre com o futebol ou esporte em geral?

Sérgio Moraes - Com o esporte em geral. Ganhei pela Acepa (Associação dos Cronistas Esportivos de Porto Alegre) dois anos, pela ARI dois anos. E ganhei um pela escolha dos jornalistas da cidade de Porto Alegre, que votavam no melhor repórter da época.

P -Isso aí já no primeiro ano da Rádio Gaúcha.

Sérgio Moraes - Já no primeiro ano eu fui o melhor repórter da cidade.

P - E sempre cobrindo Internacional, Cruzeiro...

Sérgio Moraes - Primeiro eu cobri o Internacional, depois o Grêmio. O Grêmio eu cobri muito tempo com o Foguinho... Dia de Gre-Nal eu dormia na concentração do Grêmio. Isso é inédito. Dormia na concentração do Grêmio, acordava junto com os jogadores, às sete da manhã. Entrava no ar pela Gaúcha e ficava no ar o dia inteiro.

P - E como o senhor conseguia isso?

Sérgio Moraes - Porque o Foguinho era muito meu amigo, o técnico. Na área de comunicação você tem que ser amigo dos jogadores e do técnico. Não precisa ser amigo do presidente, do vice de futebol, porque eles não te dão notícia, não. "Alô, presidente, tem alguma novidade?". "Não, está tudo bem". Eles não te dão.

P - E quem eram os jogadores na época?

Sérgio Moraes - Germinaro, Orlando, Airton Ferreira da Silva, Milton , Gessi, Vi, Juarez, Larri. Eu tinha um time: Milton, Florindo e Oreco, ou Sergio, Florindo e Oreco, Paulinho, Salvador e Odorico, Luizinho, Bodinho Larri, Jerônimo e Chinesinho era o time do Inter. O Rolo era Assis, e Abigail. Não. Ivo, Alceu e Berna, Assis, Avi e Abigail, Tesourinha, Russinho, Vilalba, Rui e Carlitos. Depois saiu o Vilalba e entrou o Adãozinho de centroavante.

P - E por que o preconceito de não dormir na concentração do Internacional?

Sérgio Moraes - Porque o José Matzembacher dormia lá. A Rádio Gaúcha abria a cobertura de Gre-Nal às sete horas da manhã. E ficava o dia inteiro só falando naquilo.

P - E abria com o senhor lá dentro da concentração.

Sérgio Moraes - Não, não. No dia do jogo, no dia da programação eu comandava do estúdio. Todos os repórteres, aí um outro repórter ia para o Estádio Olímpico, o Matzembacher continuava nos Eucaliptos, e concentrava lá. Ou na Praia da Alegria, onde o Internacional concentrava também. Época difícil de comunicação, amigo. Para falar com a Praia da Alegria você falava com Londres. "... Uohouhouohuo..." Mas não falava com a Praia da Alegria. Brincadeira. Aí veio um dirigente da Gaúcha, atual, cujo nome eu vou omitir, e disse: "Meu amigo, naquela época era mole, era muito romântico, muito semântico. Eu disse: é. É. A comunicação era difícil, a gente saía às três horas da tarde de Porto Alegre, chegava no hotel das Paineiras às duas horas da tarde, gravava, mandava a matéria por avião no horário das quatro, às sete. Era muito romântico, muito semântico. Era uma pedreira, meu camarada. entrevistando.Nós éramos chamados pelo radialista de o repórter com o cabo longo. Porque tinha um cabo de 100 metros, que tinha que levar um peso enorme, geralmente quebrava o cabo. Era uma brincadeira.

P - E qual o equipamento que vocês usavam? Era só o cabo?

Sérgio Moraes - Só o cabo, não. Eram 120 metros de cabo.

P - Para cada repórter?

Sérgio Moraes - É, tinham dois repórteres. Então, tinham um handtalk que acendia uma luz vermelha, que tu identificava: aquele cara está de handtalk. Era um negócio com um peso desgraçado. Dor nas costas.

P - Mas não hoje dormem na concentração, também...

Sérgio Moraes - Também acabou essa sopa, também. Acabou essa mordomia. Porque tinha Gaúcha, depois veio a Guaíba. Quando veio a Guaíba também já acabou a mordomia. Por quê? Porque os caras queriam dormir e o Foguinho falava (imitando o Foguinho): "Não, aqui só dorme Sérgio Moraes...".

P - O senhor dormia lá e contava depois todas as histórias?

Sérgio Moraes - Todas as histórias.

P - E o pessoal não ficava brabo?

Sérgio Moraes - Nada, nada. Eram meus amigos. Iam para a noite comigo. Eu era solteiro. Os jogadores do Grêmio, olha aqui, o Germinaro, o Orlando, o Airton, o Gessi, Ênio Rodrigues, Milton, eles iam para a noite comigo. Adoram uma noite...

P - E naquela época não tinha esse negócio dos repórteres saírem atrás dos jogadores?

Sérgio Moraes - Não. Eles iam para a noite com os jogadores. Ninguém dava bola. Aliás a vida particular de ninguém interessa a ninguém. Interessa a minha. Não interessa a você. Agora tu casou, se separou, está vivendo aí com uma outra mulher, o que é que eu tenho com a tua vida? Nada. No Rio, o cara sai. Em São Paulo o jogador sai. Sai o jogador do São Paulo, outro do Palmeiras, saem todos juntos. Eles brigam, morrem, mas é dentro de campo. Mas são amigos. São companheiros de profissão. E o repórter vai junto. Mas não é possível que o cara tenha dito que os jogadores do Flamengo estavam num bagaço. Eu não quero ofender, porque eu sou apaixonado por Porto Alegre, Rio Pardo e Lajeado, e Santa Cruz do Sul. Sou. Quero morar aqui. Mas, amigo. Em matéria de cabeça de jornalista esportivo, São Paulo e Rio de Janeiro estão trinta anos na frente deles aqui. Eu sei que vou perder possibilidade de emprego, eles vão pegar no site aí e vão dizer: "Olha aí o traíra, aí...". Quando eu fui para a Rádio Globo eu já era considerado um traíra. Saiu do Rio Grande do Sul, abandonou a gente. O Ari, o Cândido e o Samuel, e tem um outro aí, o Lauro Schirmer, o Aveline "Você está muito certo, rapaz. Vai fazer a tua vida. Tu já fez cinco anos de melhor repórter, aqui. Vai embora".

P - Quer dizer que o senhor na Gaúcha só trabalhou como repórter. Como é que foi isso?

Sérgio Moraes - De 1957 a 1963. Seis anos.

P - Seis anos como repórter...

Sérgio Moraes - Seis anos como repórter. Mas narrava basquete. E vôlei. Entendeu? E quando eu fui para a Rádio Globo, aí em 1963, eu fui como repórter titular, narrador de futebol, basquete, vôlei e Fórmula Um. Eu devo ter umas 20, 25 Fórmulas Um.

P - Transmissões de Fórmula Um.

Sérgio Moraes - Jacarepaguá... Não, não. Europa, toda. Estados Unidos eu fiz. Só não fiz Adelaide. Mas fiz uma transmissão na Suécia, de Slaven, ao sul da Suécia, que muito pouca gente fez. Eu fiz um mundial de basquete nas Filipinas. Em 1978. Logo depois da Copa da Argentina. Pela Rádio Nacional. Aquela que o Marcel faz uma cesta histórica faltando cinco milésimos de segundo para acabar. Contra a Itália, que colocou o Brasil em terceiro lugar. No campeonato mundial. Brasil terceiro colocado no mundial, que já tinha sido campeão em 1959, no Chile. Foi campeão em 1963 no Maracanazinho, no Rio.

P - Mas era uma ótima seleção aquela...

Sérgio Moraes - Ah, sim. A seleção brasileira nas Filipinas era muito boa, sim. Quatro, Dodi, cinco, Fausto, seis, Ubiratan, sete, Carioquinha, oito, Hélio Rubens, nove, Marquinhos, dez, Gilson, onze, Marcel, doze, Adilson, treze, Nilton Ávila, filho de um ex-árbitro de basquete, quatorze, Oscar e quinze, Robertão. Técnico: Ary Vidal.

P - Voltando um pouco. Como é que foi a saída da Gaúcha? Da Gaúcha para a Globo.

Sérgio Moraes - Muito tumultuada. Eu tive que fugir.

P - Quais foram os detalhes...

Sérgio Moraes - Muito tumultuada.

P - Será que depois de tanto tempo a gente pode falar como é que foi essa saída?

Sérgio Moraes - Pode, sim. Claro que sim. A minha mulher é uruguaia. Eu conheci em 1959, num campeonato sul-americano de remo, no arroio Melija. Ela era irmã de um remador, da seleção uruguaia de remo, e era apontadora de remo e nutricionista.

P - O senhor narrava remo também?

Sérgio Moraes - Eu narrava tudo. Eu sou considerado na Gaúcha e na Rádio Globo o locutor eclético. Faço tudo. Até tênis. E o Samuel foi comigo, e disse: "Pô, não vai nessa, rapaz. O que é isso, tu tá louco? Irmã de um remador, aí". Hoje eu estou casado com ela, tenho dois filhos. Fiz o sul-americano de remo, e no fim do ano eu casei. Dois anos depois, em 1961, fui lá. E tinha um jogo Peñarol e Botafogo, do Rio. Como era o repórter mais viajado do Rio Grande do Sul, repórter esportivo, pela Gaúcha, conhecia o mundo inteiro, só não fiz Copa do Mundo, que aí é outro castigo que eu vou contar para vocês. O Valdir Amaral precisou de um repórter. No jogo Botafogo e Peñarol. (imitando o Valdir): "Bah, que bom te encontrar, Serginho. Eu quero você de repórter no jogo comigo, aí". Mas eu não sabia que ele queria me testar. Pensei que estava quebrando o galho dele.

P - Valdir Amaral da Rádio Globo?

Sérgio Moraes - Da Rádio Globo. Morreu o coitado, até. Eu disse: "Não, eu faço para ti. Eu estou de bobeira". Então, tá. Já está tudo armado lá embaixo. Na verdade, ele sabia que eu estava em Montevidéu. Claro. Ele sabia que eu ia ao jogo do Botafogo, do Rio. De bobeira, lá. Dei um show de reportagem. Mas um show. Ele ficou louco. "Tu tá contratado". Para tu ter uma idéia...

P - O que foi o show? O que o senhor fez de...

Sérgio Moraes - Entrei na briga do Esteban Marino com os jogadores do Botafogo no meio... registrei tudo ao vivo. Fiz reportagem falando em espanhol e português. Entrevistava em espanhol os jogadores do Peñarol e em português os jogadores do Brasil. E eu não falo inglês até hoje. Mas, em compensação, o espanhol me salvou em muito, em tudo. Tudo, porque até nos Estados Unidos, na Copa do Mundo, estava cheio de cubano, de filipino. Porto-riquenho.

P - Inclusive pelo fato de sua mulher ser uruguaia. Tu falava espanhol com ela?

Sérgio Moraes - Não, eu aprendi a falar espanhol com as broncas que eu levava. Que quando eu chegava três, quatro horas da manhã, a bronca era em espanhol. Aí eu fui assimilando.

P - Então na verdade aquilo era um teste, para ver se iam te contratar ou não.

Sérgio Moraes - É, ele me testou. E ficou louco. O Alfredo Raimundo, que hoje é condômino dos Diários Associados, e é um dos donos da Rádio Tupi, do Rio, era repórter da Globo e saiu para a Rádio Guanabara. Com Gentil Cardoso, João Saldanha e com o Jorge Curi. O falecido Jorge Curi. Aliás, esses três que eu enumerei estão mortos também. Está tudo morto. Eu que tive um enfarte e me segurei. Bom. Aí eu peguei e pedi demissão. Claro, eu ganhava 12 mil cruzeiros na Rádio Gaúcha.

P - Em que ano foi essa demissão?

Sérgio Moraes - 1963. Foi na transição Gaúcha-Globo. Então eu ganhava 12 mil cruzeiros, pagava quarto de aluguel na Lima e Silva, e tinha uma filha de um ano de idade. Esse Sérgio foi fabricado aqui mas nasceu no Rio. O Sérgio Américo. Esse que está na Tupi, que é repórter agora. E a Rádio Globo ofereceu 80 mil. E um apartamento pago. Ganhava 12. E vivia maravilhosamente bem. A Globo ofereceu 80 mil. Eu disse "tá fechado" (risos).

P - E como foi a reação da Gaúcha, aqui?

Sérgio Moraes - Foi terrível. O Ari mandou o Samuel Madureira Coelho ao Rio dizendo que eu tinha um contrato em vigor e que ia entrar na justiça. Claro, o Ari queria o repórter dele, o amigo dele. Eu entendo isso. Até hoje eu convivo com o Ari, com o Cândido e com o Samuel. Com o Samuel não, que morreu. Mas o Ari era.. Bom. O Valdir Amaral, que era advogado, falou o seguinte: "Bom, eu quero lamentar o seguinte. Eu sei que ele tem um contrato com vocês. Com a Rádio Gaúcha. E eu provei a eles que os contratos artísticos só valem no aspecto regional, no país. Ele veio para o Estado do Rio de Janeiro, para o Estado da Guanabara naquela época. Portanto ele está livre. Ele não podia trocar para a Rádio Guaíba, para a Rádio Rio Pardo, não podia trocar para a Rádio Difusora, não podia trocar para absolutamente nada, dentro do Estado do Rio Grande do Sul. Mas pode trocar pela Rádio Globo, do Rio, dentro do Estado da Guanabara". E o Samuel Madureira virou para o Valdir Amaral e disse o seguinte: "É isso mesmo, muito obrigado. Esse guri merece essa oportunidade". Então fiquei na Rádio Globo. Fiquei 16 anos na Rádio Globo.

P - Mas a Gaúcha não tentou fazer uma outra proposta salarial? Cobrir o valor?

Sérgio Moraes - O quê? A Gaúcha? Mas o Mauricio Sirotsky Sobrinho, na época meu amigo pessoal, ia me pagar 80 mil cruzeiros mensais? E o apartamento em Copacabana? Não ia pagar de jeito nenhum. Mas nem que a vaca tossisse.

P - Mas isso era comum? Hoje em dia a gente não vê na rádiojornalistas indo...

Sérgio Moraes - Não, não. Naquela época era difícil. Foi o Manuel Barcelos, que era de São Gabriel, passou rápido pela Farroupilha, e foi para a Rádio Nacional. Foi o Heron Domingues, o repórter Esso (imitando a abertura do programa)... "Prezado ouvinte, boa noite. Aqui fala o repórter Esso, porta-voz radiofônico da Esso Standard do Brasil, com as últimas notícias do Brasil e do mundo. A guerra acabou", e daí foi aquele impacto, entendeu?

P - O senhor estava contando que o Heron Domingues foi para...

Sérgio Moraes - Claro, foi o Heron Domingues, o repórter Esso famoso, foi Manuel Barcelos foi o Luís Mendes. E o Sérgio Moraes.

P - Mas são poucas pessoas.

Sérgio Moraes - Eram poucas. Porque o eixo Rio-São Paulo fechava de tal maneira que era muito difícil Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com a dicção do locutor gaúcho, principalmente locutor esportivo, ou repórter, que pergunta e pergunta objetivamente, não pergunta com medo e não chama o entrevistado de senhor... O gaúcho não chama, não. Escuta seu Vicente Feola... Mas ô Vicente Feola, me diz uma coisa. Era assim, meu amigo. E eles não, eles arranhavam. (imitando um carioca, na pronúncia das palavras) Marrrrca...A marrrrca... E isso o cara pensava que a rádio estava fora de sintonia e ficava...

P - Então eles queriam gente de fora...

Sérgio Moraes - Queriam. E aí o Heron Domingues foi, o Manuel Barcelos foi, quem é o outro que eu falei... O Luís Mendes foi também. Que era da Rádio Farroupilha. Um ‘baita’ locutor. Foi locutor que inventou os sinais do rádio esportivo. (imitando) Cuco-cuco-cuco... Placar da Globo... Hoje é um canhão de sinais que é uma poluição sonora terrível. Então, fui para Globo.

P - Antes de o senhor contar como foi na Globo, o senhor podia contar como é que foi essa história da Copa do Mundo, que o senhor não pode ir...

Sérgio Moraes - Em 1962. Bem colocado. Eu era muito bobo. Falava: "Vocês sabem com quem estão falando? Estão falando com Sérgio Moraes". Solteiro, quer dizer, arrogante, prepotente... Hoje eu sou cara até afável. Aprendi isso no Rio, com o carioca. Cheguei lá pedra lascada e saí pedra lapidada. Porque o carioca fala: "O rapaz, não esquenta a cabeça, não. Vai procurar mulher." Então, uns seis meses antes da Copa do Mundo, tinha um rapaz que era maravilhoso, chamado Willy Gonzer, um locutor espetacular, que hoje está na Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, está há 18 anos, fez a Copa da Argentina comigo pela Nacional. E o Willy quieto. E eu disse "não, quem vai à Copa sou eu. Como repórter? Sou eu que vou à Copa. Eu sou o melhor!" E o Ari dos Santos só ouvindo.

P - Só ia um repórter?

Sérgio Moraes - Só ia um repórter. Chegou na hora da Copa e eu "Pô, eu não tô na Copa?" "Não, não. Tu disse que ia à Copa e o Ari dos Santos, por castigo, disse, ‘não, tu não vai à Copa do Mundo, não. A do Chile tu vai ficar aqui, na retaguarda, comigo. Tu vai sofrer aqui. Tu fica dizendo pra tudo mundo que é você que vai, que tu é o melhor, vai o Willy Gonzer. Ele vai ser narrador, vai ser reserva do Antônio Carlos Resende e do Salvador (.....) do comentário e vai fazer reportagem. E você vai ficar comigo aqui.’" E, de tanto que eu falei bobagem, não fui à Copa do Mundo. E acho que eles estão certos. Boca fechada não entra mosca. Em 1978, na Argentina, eu tive que sair da Rádio Gaúcha, porque eu tinha uma disputa muito forte com o Haroldo de Souza, que é meu amigo até hoje, um bom rapaz, pela locução de titularidade, narração. E na época do Sesquicentenário da...., não sei se é do Sesquicentenário. Não, não é não. É na comemoração da independência, muitos anos, acho que mais de 100, 150, 200 anos do quatro de julho, da independência dos Estados Unidos. Teve um torneio lá. E o Haroldo veio falar comigo e disse: "Sérgio, tu vais como repórter e eu, como narrador. E fica tudo certo". E eu disse "Não, eu vou como narrador". E ele: "Bobagem, rapaz, vai como repórter! O que te custa dizer ‘Alô amigos, o Brasil treinou nesta tarde 45 minutos de individual e de personal trainning". Ah rapaz, não! Eu queria ser o narrador. Eu não era mais repórter! Também não fui (à Copa). Entendeu? Não fui e senti que eu ia dançar na Copa de 78 na Argentina. A Rádio Nacional me fez a primeira proposta e eu fui pra Rádio Nacional e fiz a Copa do Mundo com José Carlos Araújo.

P - O senhor foi para a Nacional para garantir a Copa?

Sérgio Moraes - Para garantir a Copa. Mas eu ia. Depois o Nélson Sirotsky me falou "Tu irias à Copa. Estás ficando maluco? Como é que eu não vou te colocar na Copa, Sérgio?" "Não, tá meio esquisito isso aqui". Peguei o bonde e fui embora.

P - No mesmo ano da Copa?

Sérgio Moraes - No mesmo ano da Copa.

P - Vamos falar da Globo. Tu foi pra Globo em 63, né?

Sérgio Moraes - Em 63.

P - Aí tu ficou na Globo de 63 até 78?

Sérgio Moraes - Fiquei na Globo... Não, fiquei na Globo até 76. Aí eu voltei para a Gaúcha. Voltei para fazer o Jornal do Almoço, com o Celestino Valenzuela, com Ibsen Pinheiro.

P - Televisão?

Sérgio Moraes - Televisão. E narrar fut..., e ser repórter. Vim contratado como repórter. Aí o Antônio Carlos Resende (olha aí ó, mais um, meu amigo direto) brigou com o Nélson Sirotsky, com a direção da Rádio Gaúcha, porque foi escalado o Haroldo de Souza para rádio. Era o Gre-nal. Ele pediu demissão e foi embora. Aí eu, ao invés de ser repórter, nem estreei como repórter. Imediatamente passei a ser narrador.

P - Narrador direto?

Sérgio Moraes - È que eu já era narrador. Então ficamos eu e o Haroldo. O Haroldo era um...um rapaz. Era pavio curto, como eu, mas tudo bem.

P - Pra gente seguir a ordem cronológica, vamos falar ali como foi o início lá na Globo? Como foi mudar para o Rio?

Sérgio Moraes - Ah, eu já cheguei como vedete. Porque eu fiz aquela reportagem maravilhosa do jogo do Botafogo com o Penharol. Então a rapaziada lá, sentiu que... que tinha que botar mais água no feijão deles, né? Entende? E eu já cheguei como titular, eu já cheguei como repórter titular, e tal.

P - No futebol?

Sérgio Moraes - No futebol, e irradiando basquete e volêi. E Fórmula 1.

P - E o fato de tu já chegar como repórter titular não acabou causando de repente alguns maus olhados?

Sérgio Moraes - Não, porque o titular tinha saído pra Rádio Guanabara, o Alfredo Raimundo, esse que hoje é condômino da Rádio Tupi, dos Diários Associados. Então não houve problema. Na época também não tinha... (lembra de outro assunto) Ah, isso aí eu vou dizer aqui e provo por A mais B: não tinha reportagens gravadas naquela época. Quem lançou... afirmo e provo: o repórter que começou a fazer entrevistas gravadas no Brasil foi Sérgio Moraes. Daí a minha covocação pela Globo.

P - Como foi e quando é que foi?

Sérgio Moraes - Foi em 1957, com o Dr. Fernando Kroeff, do Grêmio.

P - Naquela época não tinha entrevista gravada?

Sérgio Moraes - Não, não, o repórter cobria o treino e redigia-se o texto: (imitando a leitura de uma matéria) "O Internacional treinou coletivamente hoje durante 90 minutos. Dois a zero para os titulares. Gol de Larri e Bondinho". Não tinha reportagem. Era a notícia do treino. E eu passei a entrevistar para botar, como chamava-se, nas vinhetinhas. Isso aí, meu amigo, eles podem dizer o que eles quiserem. Isso aí foi o Sérgio Moraes que botou no ar no Brasil. Em seguida a Bandeirantes descobriu como é que estava e começou a fazer também.

P - Como é que se fazia isso?

Sérgio Moraes - Era um gravador deste tamanho (abre os braços, indicando o tamanho). Tinha que ir com a caminhonete, uma Ford que a Rádio Gaúcha tinha, e tinha que ligar na luz. O Alcides Krebs, falecido, brigava comigo: (imitando). "Bah, mas tu vais levar esse trambolho para esse cara fazer uma entrevista! Por que tu não trazes o cara aqui no estúdio?". Isso aí...

P - Mas ninguém fazia isso, de onde saiu essa idéia?

Sérgio Moraes - Lampejos de um auto-didata, meu querido! (risos generalizados). É verdade, viu? Eu não sei por que... Eu pensei: "Bom, mas se eu posso gravar...". E o Dr. Fernando Kroeff escreveu aquela entrevista! Ele chegou pra mim e perguntou: "Pô, tô estranhando isso aí, Sérgio. O que tu vai me perguntar?". Eu falei pra ele: "Isso, isso, isso e isso". Ele escreveu as respostas. Pra ti ver como era difícil! Hoje um cara chega, um jogador chega e fala "nóis vai", não sei o quê, mas tá tudo bem.

P - Quer dizer, ele leu as respostas?

Sérgio Moraes - Ele leu... Ele escreveu as respostas e leu. Ele leu. Dr. Fernando Kroeff, patrono, presidente do Grêmio.

P - Essa gravação foi então em 57?

Sérgio Moraes - Essa gravação foi... Foi antes da Copa do Mundo de 58

P - Tu falaste em 57, eu acho.

Sérgio Moraes - Não, mas eu me enganei.

P - Foi um pouquinho antes (da Copa), em 58?

Sérgio Moraes - É, porque eu entrei na Gaúcha no dia da mentira, dia 1º de abril de 57. Isso, eu tive que.. fazer trabalhos. A reportagem era mais de campo. A entrevista era dentro do gramado.

P - Sempre ao vivo?

Sérgio Moraes - É, de improviso sempre. Sempre de improviso. Nunca escrevi nada. Pra mim falar... Nada, nada, nada. Eu tenho uma expressão que eu falo do futebol: (cantando) "lá vai ele, vendendo o peixe dele".

P - Esse momento é histórico, aí da entrevista gravada.

Sérgio Moraes - A do Dr Kroeff? É! É histórico. E essa história, porque isso aí é um... Não adianta eles quererem dizer que aqui no Brasil foi a Rádio Globo, foi a Bandeirantes, foi a Record... Não. Primeira entrevista gravada no Brasil tipo vinheta fui eu que fiz. Como tem uma voz que agora saiu, porque o Guilherme Souza foi pra Voz da América, na Rádio Globo, tem uma gravação lá, que eles tiraram. Acharam que eu ia botar a Rádio Globo na justiça! Nunca! Eu me criei lá dentro. Me criei dentro da Rádio Gaúcha. (começa a imitar cantarolando) "Tchan, tchan, tchan! O Brasil é campeão mundial! Ton, ton, ton, ton! (estendendo o R): O Globo no ar!" Essa voz é minha. Ficou 36 anos no ar.

P - A vinheta?

Sérgio Moraes - Não, a abertura do noticiário. Era anunciado de hora em hora. (imitando) "O Globo no ar". Estão fazendo ainda. Tem e tinha, entendeu? Essa é minha também. Quer dizer, eu não sou nenhum supra-sumo da inteligência ou melhor que os outros. Mas eles não dizem! Na Rádio Globo, eu saí da Rádio Globo. Eles dizem (imitando) "não, isso aí é o Guilherme de Souza". Aí eu fui lá e disse "Oh, cara, eu penso.. pode continuar com isso aí, mas pode dizer aí que foi o Sérgio Moraes". E a do Guilherme de Souza é essa aqui ó... Lá saía uma minha e uma dele, que era uma fita. Saía a minha, ia para o ponto a do Guilherme. Era de hora em hora. Saía a minha, ia para o ponto a do Guilherme. A minha era (imitando) "O Globo no ar!". A do Guilherme era (satirizando o sotaque carioca) "O Globo no arrrrrrr" (risos). Carioca, né? O cara (o ouvinte) ia lá, tocar no rádio pra ver se estava fora de sintonia. Então, o que que tá havendo aqui.

P - Dizem aqui que as agências de notícia ouviam o Globo No Ar para copiar as notícias na época.

Sérgio Moraes - Claro, claro, claro.

P - Quer dizer que o senhor fez a primeira gravação de entrevista externa. Mas isso ninguém admite, não é? Ninguém reconhece.

Sérgio Moraes - Mas eu também nunca disse que tinha sido eu. O Ari dos Santos sabe disso. O Cândido Norberto sabe disso. O Antônio Carlos Resende, que hoje é escritor, que teve no programa do Rui Carlos Ostermann semana passada, que lançou um outro livro "Os tigres de bengala" ( Jairo e seus demônios), falando sobre a história de locutores esportivos. A história dele! Só que eu não disse nada, porque sabe como é que é. Teve aqui o Resende já, né?

P - Já

Sérgio Moraes - Isso aí vai ser editado, não tem problema. Bom, o que mais?

P - E isso aí com gravador em cima de uma ...

Sérgio Moraes - Bah, em cima de uma mesa. Parecia um... Era do tamanho do Bira (risos). E hoje é desse tamanho assim ó (mostra com os dedos apertados). Porque aí... O Valdir Amaral, o falecido Valdir Amaral, foi ele que lançou o FM no Brasil. A famosa Freqüência Modulada. Como? Ele era diretor comercial do Sistema Globo de Rádio e vendia o som para fábricas. Para botar música. Usava o FM, a Freqüência Modulada.

P - Isso quando?

Sérgio Moraes - Isso em 1965, 1966, por aí. Aí veio a Globo FM. Aí abriu o FM, entendeu?

P - O senhor estava falando como é que tinha sido o início do trabalho na Rádio Globo, lá no Rio.

Sérgio Moraes - Foi normal, foi sem seqüelas.

P - O senhor foi bem recepcionado?

Sérgio Moraes - Muito bem, muito bem. O carioca gosta do gaúcho. O carioca não gosta do paulista e do mineiro. É diferente.

P - Eles têm uma rixa mesmo com São Paulo.

Sérgio Moraes - Com Rio Grande do Sul, não. O Rio Grande do Sul tem passagem de graça.

P - Então quer dizer que o senhor ficou de 63 a 76. Treze anos seguidos. E o que que mudou? O senhor chegou lá como repórter de futebol e narrava outros esportes.

Sérgio Moraes - Narrava basquete, volêi e Fórmula 1

P - E foi assim durante os 13 anos?

Sérgio Moraes - Não, não, não. Depois, em 70, como eu não fui ao México e me rebelei...

P - O senhor foi em 66?

Sérgio Moraes - Não, não. Também não. Na Rádio Globo não fiz Copa do mundo, não, amigo. Era gaúcho! Também tem essa seqüela. Tem isso aí também.

P - Preconceito?

Sérgio Moraes - Não, é... Eles querem... Porque Copa do Mundo, amigo, Copa do Mundo é o filé mignon do rádio esportivo. É o maior evento... Sul-americano, mundial de basquete, Olimpíada, final de Fórmula 1 (que eu fiz muitas) tudo bem: tudo é fichinha perto de uma Copa do Mundo para o narrador ou para o repórter. Resultado: eu era...

P - Mas o senhor não era o principal repórter?

Sérgio Moraes - Era o principal repórter até 70. Quando eles me tiraram da Copa, eu parei. Eu fiz tudo. Eu fiz Flamengo, Vasco, Botafogo, América do Rio, Fluminense. Eu fiz tudo que tinha direito na Europa. Eu vivia na Europa! Como repórter e como narrador, eu vivia na Europa. (imitando um interlocutor): "Ora, Sérgio, sai daí de Barcelona e vai pra Floresta Negra, porque vai ter um jogo do Luxemburgo (Luxemburgo é um clube) pela Copa... um amistoso, por exemplo, do Flamengo do Rio". Eu aí lá, pegava... Porque Europa é... São países pequenos... O Rio Grande do Sul dá uns oito países da Europa, entendeu? Minas Gerais dá uns vinte. Quer dizer, tu pega um trem... É como se fosse a Livramento... Passa por três países.

P - Chegava a ficar quanto tempo seguido na Europa?

Sérgio Moraes - A última vez, quase que a minha mulher foi embora para o Uruguai. Fiquei setenta e quatro dias. Na Copa de 74.

P - Na de 78, não é?

Sérgio Moraes - Não, na de 74. Eu não fiz a de 78. Na Copa de 74, fiquei setenta e quatro dias. Eu fiz o Grande Prêmio da Suécia de Fórmula 1, o Grande Prêmio de Mônaco, o Grande Prêmio da França, em Paul Ricard

P - Só cobrindo Fórmula 1?

Sérgio Moraes -Só cobrindo Fórmula 1. Fiquei só... O Valdir precisava... (imitando Valdir) "Não vai à Copa, mas eu vou te deixar na Europa. Se eu precisar, eu te chamo". Eu disse: "Não, tudo bem". São 150 dólares por dia, meu amigo, com hotel pago! Quer dizer, eu fui pra Copa... para a Europa. Eles voltaram da Copa e eu continuei na Europa. Quer dizer, eu ganhei quatro vezes mais que eles! Tem um negócio de dólar aí que... Isso quando o rádio era o dono do campinho. Porque hoje a televisão faz, e o cara fica no estúdio ( transmissão via tubo). O jogo narrado é feito em pay-per-view. O locutor fica olhando e só o repórter fica com o microfone aberto aqui e dá o ambiente pra ele. Isso aí se chama entrevista por tubo.

P - Na tevê?

Sérgio Moraes -Na tevê. Não, porque o rádio morreu aí, e cresceu em outras áreas, outras ramificações. (voltando ao assunto anterior): É brincadeira: naquela época se ganhava muito dinheiro. O apartamento que eu tenho aqui na Múcio Teixeira é o maior do edifício ali. Comprei com diária de viagem.

P - O senhor ganhava bem, lá? Tinha uma vida muito boa?

Sérgio Moraes -Na rádio Globo? Eu vou te contar. Eu vivia nababescamente. Claro, guardei muito dinheiro. Não estou duro, não. Eu sou considerado um mão de unha.

P - E por que esse retorno pra Gaúcha?

Sérgio Moraes -Porque eu não fui à Copa de 70. Quer dizer, peraí, não! Eu fui pra Rádio Tupi. Fiquei seis meses e aí voltei para Rádio Globo. E fiquei de primeiro de abril de 1963 a julho de 76, saindo seis meses pra Tupi.

P - Quando é que o senhor saiu pra Tupi?

Sérgio Moraes -Quando veio a Copa de 70.

P - O que que houve lá?

Sérgio Moraes -O que eu te falei. A máfia não deixou eu viajar.

P - Não, eu digo lá na Tupi: o que houve o senhor ficou só seis meses?

Sérgio Moraes -Não houve nada, eu pedi licença de seis meses e voltei pra Globo. Eu era estável, naquela época, tinha fundo de garantia e tudo. Eu não ia perder a Globo por causa disso. Aí, quando eu vim pra Rádio Gaúcha, eu pedi para me mandarem embora pra pegar o Fundo de Garantia, décimo terceiro, aquela coisa... Isso aí faz parte.

P - Mas o senhor narrava futebol na Rádio Globo?

Sérgio Moraes -Narrava. Em 68, por aí. Narrava muito no Pacaembu. A Rádio Globo fazia todo, né? Tinha, por exemplo, Botafogo e América, no Maracanã, às cinco da tarde. Às três, tinha Palmeiras e Santos pelo Campeonato Paulista, e eu irradiava esse jogo.

P - O senhor trabalhava muito em São Paulo?

Sérgio Moraes -Olha... Tinha o Washington Rodrigues, que trabalhava comigo na Globo. Eu dia, eu estava na cabine da Rádio, no Maracanã, e eu já era narrador. Aí eu peguei o microfone e disse "Um grande abraço, aí, ô Paulinho, um grande abraço". E ele me respondeu: "Ô Sérgio Moraes, tá no Rio hoje?" Eu estava sempre fora. Os meus filhos, a minha mulher criou. Eu ganhei muito dinheiro, muito prestígio, mas vivia pouco com a família. Agora, nos últimos cinco anos é que eu estou mais ligado na família. Depois tem uma coisa: você escolheu o rádio esportivo, naquela época, meu amigo...

P - Quantas horas o senhor trabalhava por dia?

Sérgio Moraes -Ah, umas cinco horas, a hora do jornalista. Porque eu saía de casa no Leblon às quatro da tarde. Nove, eu ia embora. Tinha um programa de esportes das oito e meia às nove da noite. Nunca cobrei hora extra, nem nada, de estar viajando para lá e para cá, porque, se os caras te dão 150 dólares e hotel pago, tu não vai querer hora extra.

P - Nessas aventuras pela Europa, narrando Fórmula 1, teve algum fato interessante, alguma história, assim, incrível?

Sérgio Moraes -Da Fórmula 1, não. Mas teve no Estádio de San Ciro, em Milão.

P - O que aconteceu?

Sérgio Moraes -O jogo do Flamengo com o Milan, em Milão. E eu estava narrando, e o Lucas, um repórter, não sei o que ele fez. A bola estava entrando e ele deu um toque na bola. Ia ser gol do Milan! Ele deu um toque na bola! A bola ia entrando. Quer dizer, o juiz tinha que marcar tiro indireto ali. Não podia... Ele teve que fazer uma volta olímpica. Ah, e na Europa, naquela época, se narrava em casamata, dentro do campo.

P - Quando é que foi isso?

Sérgio Moraes -Acho que foi em 69, por aí. E os caras correram para pegar o Wilson Lucas, o jogador, e eu larguei o microfone e saí correndo para defender o cara. Para dizer "calma!". Foi uma lambança geral, entendeu?

P - Tu estavas narrando o jogo?

Sérgio Moraes -Estava narrando o jogo

P - E tu foste defender ele narrando o jogo?

Sérgio Moraes -Não, não, não! Larguei tudo. (imitando sua fala na época) "Vão matá o homem aqui ó. Dá licença". E eu saí lá. (imitando): "Calma, calma, pessoal, calma". Que calma, nada! Me derrubaram, me deram pontapé. Foi um negócio terrível.

P - E o que aconteceu com ele?

Sérgio Moraes -E o que aconteceu com ele? Expulsaram ele do estádio! (risos). Tinha uns 20 minutos só do segundo tempo e eu voltei e narrei o final.

P - Sem repórter?

Sérgio Moraes -Sem repórter (risos). Brincadeira! Vamos lá, vamos lá!

P - Voltando àquela pergunta que eu havia lhe feito, da sua volta pra Gaúcha: você tava ganhando bem? Como é que foi a volta para oRio Grande do Sul?

Sérgio Moraes -Eu estava ganhando bem, e vim ganhando quase a mesma coisa na Gaúcha. E esse apartamento que eu tenho, eu comprei com as diárias, mas foi a Gaúcha que escolheu para mim. "Pô, esse aqui que é o bom". Eu tinha o dinheiro, fui lá e comprei. Então tá. Faltava uma determinada quantia, o Maurício (Sirotsky) foi lá e cobriu, entendeu? Porque esse apartamento era muito caro. O Maurício me cobriu e foi uma forra da Rádio Gaúcha para me tirar da Globo.

P - Pra se vingar do que tinha acontecido?

Sérgio Moraes -Exatamente, foi uma forra. O Maurício me disse que estava me trazendo para cá por causa disso, disso e disso. (imitando o Maurício) "Você é daqui!"

P - Que ano foi isso?

Sérgio Moraes -Foi em 1976. Julho de 76.

P - Daí o senhor veio como narrador.

Sérgio Moraes -Narrador... Não, eu vim contratado como repórter. "Faça a fama e deite na cama", né? Eu já era narrador lá, mas eu vim como repórter. Daí o Resende, por causa do Gre-nal, eu acho que já falei isso. O Resende, por causa do Gre-nal, pediu demissão da Rádio, porque o Haroldo ia narrar, o Haroldo de Souza, e eu passei a narrar também. Nem estreei como repórter.

P - Mas aí foi uma passagem breve pela Gaúcha?

Sérgio Moraes -Não, 2 anos.

P - Dois anos.

Sérgio Moraes -Dois anos. Daí eu voltei para a Rádio Nacional.

P - E como é que foi quando o senhor finalmente foi para primeira Copa, em 78?

Sérgio Moraes -Foi normal. Agora, a emoção é muito grande. Você sente um...

P - Valeu a pena?

Sérgio Moraes -Valeu, valeu, valeu. Valeu como em 82, fazendo pela Excelsior da Bahia valeu também.

P - Como é que o senhor foi parar lá no Nordeste?

Sérgio Moraes -Contratado. Eu estava na Rádio Guarani, de Belo Horizonte. (Ah, esqueci da Guarani, de Belo Horizonte!) Estava na Guarani, de Belo Horizonte, que eu saí da Farroupilha aqui, né?

P - Como foi: o senhor tava na Gaúcha, aí foi pra Nacional...

Sérgio Moraes -Não, isso aí foi em 1980

P - Isso aí é um pulo. Ele tá falando lá na frente.

Sérgio Moraes -Já estou na frente. Isso foi em 1980. O Lauro começou comigo na Rádio Farroupilha, entendeu? Eu saí da Rádio Nacional e vim para a Rádio Farroupilha com o Ari, tá? O Cândido... era diretor de programação, esteve aqui, quando eu estava mal aí, né? Aí as Associadas disseram: "Ó, Sérgio, estamos precisando de um locutor esportivo, um narrador do teu quilate (modéstia a parte) lá na Rádio Guarani de Belo Horizonte. Vai ter que ir para lá". Aí eu fui para lá por esse motivo.

P - O Haroldo também já não narrou jogo pela Guarani? O Haroldo de Souza

Sérgio Moraes -Não, não, não.

P - Mas ele trabalhou em Minas Gerais.

Sérgio Moraes -Trabalhou.... Acho que trabalhou na Itatiaia. Então eu fui para lá. E lá a Rádio Excelsior veio me buscar para fazer a Copa do Mundo de 82. Eu fui... Seis meses antes da Copa, eu fui para Salvador. Fui embora para Salvador.

P - Excelsior da Bahia?

Sérgio Moraes -Hein? Excelsior da Bahia. Excelsior de Salvador. Aí comandei a Copa. Fiquei 2 anos lá. Cumpri rigorosamente o contrato. E vim embora...

P - E depois da Copa, ficou narrando o campeonato lá, o Campeonato Baiano?

Sérgio Moraes -Claro, claro. O Torneio Norte-Nordeste, tudo. Fiz tudo. Eu fiz um contrato de 2 anos com eles.

P - Foi bom o contrato?

Sérgio Moraes -Não, não. Eu já não... Eu já estava enfarado de rádio esportivo. Agora que me deu o enfarte, eu quero. Agora eu estou querendo (risos). Eu já estava querendo largar... Porque eu já estou aposentado como jornalista. Eu já estou aposentado como jornalista profissional. Eu usei os 30 anos que a lei me permite, entendeu? E já estou... Mas, com o dinheiro do INSS, você morre de fome. Lamentavelmente, tem que ser isso.

P - Mas, ali, o senhor já estava com a idéia de... já não estava mais com aquela vontade...

Sérgio Moraes -Já não tinha mais vontade. Mas, na hora que eu pegava a latinha, eu não brincava, não.

P - Depois da Excelsior?

Sérgio Moraes -Depois da Excelsior? Depois eu fiz a Cop... Não, não, não... Depois da Excelsior, não. Depois da Excelsior, ainda vim para Tupi do Rio, ainda fiz a 86, no México. Vim ser chefe de esportes da Bandeirantes aqui em Porto Alegre, em 88. Saí no início de 90 para fazer a Copa na Capital, Rádio Capital do Rio e Rádio Capital de São Paulo. Ainda fiz a Copa dos Estados Unidos, em 94, pela Rádio Nacional de novo. Depois da Copa, que eu me senti um narrador campeão do mundo, porque eu narrei quatro e (risos)... eu acho que o pezinho é o meu, né? Aí, quando eu narrei, junto com o Luís Pereira, pela Nacional, a Copa do Mundo, e o Brasil foi campeão mundial nos pênaltis, aí eu perdi a sensação. Ia dizer tesão, mas isso vai ser editado, pode tirar. Porque lá pode dizer. Aí, eu pensei: "Agora, agora vou me aposentar e vou para Porto Alegre. Vou para Rio Pardo, para barranca do Rio Jacuí, pescar." (risos generalizados).

P - Quem é que narrou a final de 94?

Sérgio Moraes -Um tempo cada um. Eu e o Luís.

P - E os melhores narradores, tirando Sérgio Moraes?

Sérgio Moraes -Sérgio Moraes não é um dos melhores. Sérgio Moraes é um batalhador, como eu digo, um pioneiro da batalha. Para mim, um dos melhores narradores hoje, no Brasil, é o José Carlos Araújo, da Rádio Globo.

P - E lá do passado?

Sérgio Moraes -Lá do passado, é o Pedro Luís daqui ou de São Paulo? Daqui é Pedro Pereira, Leonel Silveira, Cândido Norberto, que narrou muito bem o futebol. Guilherme de Souza não, porque era muito ruim. Era... Não tinha nem voz. E transformava a transmissão dele num coloradismo irritante. Eu sou colorado, também, mas não pode, né? Bom, isso aí é outra coisa. Cândido Norberto, Leonel Silveira, Pedro Pereira, Ranzolin.

P - Um colorado que dormia na concentração do Grêmio?

Sérgio Moraes -É, e eles sabiam

P - Todo mundo sabia que o senhor era colorado?

Sérgio Moraes -Todo mundo sabia. Naquela época, todo mundo dizia o time para o qual torcia.

P - Mas, daí como é que era num Gre-nal...

Sérgio Moraes -Eu torcia para o Grêmio ganhar

-P - Por quê?

Sérgio Moraes -Porque era o meu setor (risos). Entendeu agora a mentalidade? Torcer para o Matzembacher? Que nada! O meu setor é que tem que aparecer!

P - Não era Grêmio contra Inter, era o senhor contra o Matzembacher.

Sérgio Moraes -Era eu contra o Matzembacher

P - Não importava Grêmio e Inter...

Sérgio Moraes -Não importava o coração colorado. Eu queria que o Grêmio fosse campeão, porque eu estava metido lá dentro.

P - Hoje em dia, não é mais assim, né?

Sérgio Moraes -Não. Hoje está tudo mudado. Hoje, eles têm que arrumar colocação para todo mundo. (Com o dedo em riste, bradando): "Hoje, o rádio e a televisão facilitam a proliferação dos falsos valores". Pode editar isso aí.

P - Corria muito valor por baixo na imprensa?

Sérgio Moraes -Como? Em que sentido? De dinheiro, de venal?

P - É.Sempre teve isso aí. E tem até hoje. É difícil de você detectar isso aí. Mas tem. O cara que leva um dinheirinho dos jogadores, do presidente... Sérgio Moraes -Tá cheio. Isso aí tem aqui, tem na França. Isso aí é mundial. Não tem saída

P - Sempre teve?

Sérgio Moraes -Sempre tem o desonesto, sem-vergonha, que suja a barra da gente. Sempre tem. No Rio, um foi para rua porque descobriram que ele estava levando de um jogador. Ah, descobriram, a direção manda embora. Isso aí, tu sabes, né? Mas isso aí é um mal que não acaba. Tem empresários também, envolvidos. Tem empresário que paga repórter para falar no nome dele. Empresário paga o repórter. (imitando o repórter) "Olha, vou te dar uma grana de 2 mil reais por mês".

P - Para dizer que o cara vai ser contratado..

.
Sérgio Moraes -Claro. Ou então entrevistar o cara. Eu já não entrevistava empresário, porque ficava com medo de dizerem que eu estava levando grana. Tinha um cara chamado Reginaldo dos Santos, um baiano, no Rio, que era empresário. (faz pausa para pensar melhor): Será que era daqui esse cara, rapaz? Não, era daqui de Porto Alegre! Reginaldo Santos, baiano, entendeu? E ele vinha (imitando Reginaldo) "Seu Sérgio, ...". Eu freqüentava muito a noite, muitas entrevistas, solteiro . (imitando Reginaldo) "Pô, rapaz, eu te dou uma grana aí, velho". Eu digo "Tu dá o que? Será que a tua mulher não me dá, e tu deixa a grana pra lá?" (risos). Ué, (indignado) brincadeira, rapaz! Pô, eu era o melhor repórter, e o cara queria me corromper por 2 mil reais, 2 mil cruzeiros. Eu ganhava 12 e era uma fortuna aqui. Era um dinheirão. Não tinha poupança na época, mas tinha uma conta bem poupuda. Agora, imagina quando me deram 80 mil e outro apartamento pago em Copacabana.

P - E o senhor tá aonde, agora?

Sérgio Moraes -Eu estou na 94 FM. Na Fundação Roquete Pinto.

P - Desde quando tu já tá lá?

Sérgio Moraes -Estou lá desde... Eu era diretor de esportes da Rádio Barapendi FM. (muda de assunto): Escreve o que eu estou dizendo para vocês aí. Anota isso aí, edita, Bira: (muda a entonação): "o FM é o caminho do rádio esportivo brasileiro dos próximos 15 anos". Vai acabar o AM. Se não acabar, vai se esvaziar. Porque o FM é que vai fazer o futebol.

P - Por quê?

Sérgio Moraes -Porque ele chega melhor com som, com tudo, entendeu?

P - E vai ter espaço?

Sérgio Moraes -Vai ter espaço. Porque, por exemplo, a Rádio Gaúcha, ela não tem mais espaço para futebol, rapaz. Ela faz futebol na cara e na coragem, porque lá tem idealistas ainda. Mas, pela programação jornalística da Rádio Gaúcha, fica difícil colocar uma transmissão de futebol. E eles colocam. E eu, ó (batendo palmas), bato palmas para eles. Se você não tiver publicidade, você não transmite futebol.

P - Em termos de qualidade do jornalismo esportivo, comparando a gaúcha com as rádios de São Paulo, qual é melhor?

Sérgio Moraes -O nível daqui é melhor. Não intelectual, veja bem. Intelectual é o mesmo nível. Mas o talento aqui ainda se sobrepõe a várias saídas de transmissões de futebol, de departamento de notícias. No Rio, São Paulo e Minas eles são mais, como é que eu vou te dizer. Se tem uma notícia da feira que eles esquecem que o Osama bin Laden está jogando uma bactéria nos Estados Unidos. O cara tem pressa. Aqui, não, amigo. Aqui o jornalismo é sério. Aqui, se tem uma notícia do lixo, que está faltando água na zona norte, e o Osama bin Laden está lançando uma bactéria, por exemplo, o antraz, nos Estados Unidos, vale o antraz, vale o bin Laden, vale a notícia mais valorizada. E lá para cima, não. Lá eles não dão muita bola para essas coisas. São mais acomodados. Para tu teres uma idéia, o escritório do carioca é a areia da praia até às três horas da tarde. "Queria falar com o doutor fulano de tal, ele está no celular?" (O próprio Moraes responde) "Não, mas eu estou na praia agora, só às três horas da tarde eu saio daqui. Às quatro eu te atendo no meu consultório. Vai lá que eu te atendo. Claro doutor".

P - Qual era o seu horário lá?

Sérgio Moraes -Eu ia para o Maracanã, ia para o São Januário, ia viajar...

P - Nem ia à praia?

Sérgio Moraes -À praia eu ia, à praia... Leblon, meu amigo, o que é isso?. Leblon não dá para perder. Ipanema? Não tem jeito. Agora, não há condição de você traçar um paralelo entre o jornalismo do Rio Grande do Sul e o de São Paulo e Rio. Não é que eles sejam inferiores intelectualmente. É que eles não dão muita bola para nada não. E aqui o negócio é...

P - E transmissão de futebol?

Sérgio Moraes -Ah não, transmissão de futebol eles são mais criativos. (imitando um locutor carioca) "Tem peixe na rede do América". Se tu diz que tem peixe na rede do Internacional, o torcedor quer te matar. É o carioca, o carioca é mais informal, ele não está dando bola para nada. Você briga com o carioca, o cara diz: "Que isso, amigo. Vai procurar uma mulherzinha. Não briga comigo, não. Ô rapaz, eu estou aqui numa outra, e você está querendo brigar. Briga é para otário. Vamos bater um papo aqui." Se bem que tem o outro lado, o morro. O morro onde vende tóxico. Aquilo ali é Comando Vermelho, PCC. Aquilo ali é outro departamento dentro do Rio de Janeiro. Para tu ter uma idéia, eles criaram o seqüestro- relâmpago dentro do Rio de Janeiro. (imitando um seqüestrador) "Alô, é Dona Angela, mulher do Sérgio Moraes? Estamos com seu marido aqui. Queremos três mil, senão ele morre. E se ela não arrumar os três mil eu morro mesmo.

P - Para quem ganha 80 mil, está bom...

Sérgio Moraes -Ah, isso aí eu ganhava. Ganhava quando o dinheiro também valia. Agora não vale, agora 80 mil...

P - Que mudança, né? Naquela época, o senhor como repórter ganhava um baita salário e os jogadores ganhavam pouco. Agora, os repórteres...

Sérgio Moraes -Não, os jogadores ganhavam muito naquela época. O Garrincha...

P - Mas não dá para comparar com hoje, né?

Sérgio Moraes -Ah, não. Se o Garrincha jogasse na época de hoje, ele jogava cinco anos ganhando o que se ganha hoje, e não precisava trabalhar mais. Podia beber tudo de cachaça, como ele bebeu.

P - Quem foi o melhor jogador que o senhor viu jogar? Foi o Pelé, mesmo?

Sérgio Moraes -Mané Garrincha, rapaz. Mané Garrincha é insuperável em tudo. Até quando virou alcoólatra.

P - O senhor era amigo dele?

Sérgio Moraes -Sou, como sou amigo da Elza Soares até hoje. E a Elza é a culpada do Mané virar alcoólatra. Aquele 1 milhão de cruzeiros que o Mané Garrincha ganhou no jogo de despedida no Maracanã. Ela deixou sete filhas e a Dona Nair na miséria e ficou com o dinheiro. É mole ou quer que eu extrapole? (risos) E vive dando entrevista, a Elza. Eu sou amigo, mas estou fazendo uma crítica porque é um direito que eu tenho da crítica. A Elza só pensou nela. Nem no Mané ela pensou.

P - Vamos finalizando, então...

Sérgio Moraes -Que maravilha, essa é a melhor hora.

P - Uma coisa antes, pelo fato de participar de cinco copas do mundo...

Sérgio Moraes -E não fui à de 1998, porque eu já estava doente do coração. Quando eu tive esse infarte, dia 18 de março, eu já tinha problemas de pressão alta, e por isso que eu não fui à Copa de 98. E tinha convite da CBF para ir como convidado. Claro, convite, convidado. Perdão. Não edita isso aí, não, pelo amor de deus. Tive convite do doutor Ricardo Teixeira para ir à Copa da França. Agora, o convidado que vai, se o Brasil sair e voltar, volta junto, não fica para ver mais nada. Eu declinei do convite porque não estava bem.

P - O senhor vai voltar para o Rio de Janeiro, ainda?

Sérgio Moraes -Vou. Em junho (de 2002) posso irradiar futebol de novo. Porque o coração está com 46 agora de potência. Já tive 22,5. Amigo, esse infarto que eu tive, de 100, morrem 80. E eu sobrevivi. Foi aqui em Porto Alegre, no quarto da minha filha. Eu fui lá não sei fazer o quê e deu aquele negócio e eu não agüentei. E fui a Rio Pardo, que eu tenho um irmão médico, diretor do hospital lá, dirigindo sem saber que estava infartado, com a minha mulher do lado, com uma Marajó placa do Rio que eu tinha. E voltei infartado. Mas ele desconfiou e me medicou como infarte. Aí na segunda eu fui no cardiologia e fiz um exame de eletro e bateu. O coração estava desse tamanho (mostra com as mãos o tamanho). Não desejo para ninguém.

P - E o senhor pretende continuar mesmo?

Sérgio Moraes -Claro que sim. Com 800 pilas de aposentado como jornalista... Eu me aposentei com o máximo, então, o Raul Portanova está resolvendo isso para mim. Então eles vão tirando, vão esvaziando aqui e ali. Daqui a pouco, quando vê, está ganhando dois salários. É brincadeira.

P - Antigamente era bem mais difícil fazer rádio, né?

Sérgio Moraes -Bem, bem mais difícil. Humanamente, às vezes impossível.

P - Mas mais prazeroso também?

Sérgio Moraes -Dava prazer, porque a notícia que você catava, você tinha a obrigação de colocar no ar. E às vezes você não tinha como colocar e dava um jeito... e o telefone não funcionava, você ficava desesperado. (imitando alguém falando no telefone) "Alô. Agrutnóiónhóió. Hein?" Era terrível.

P - E como é que se fazia a participação do ouvinte? Hoje o ouvinte liga para a rádio e fala...

Sérgio Moraes -Era local. O cara ligava para a Rádio Gaúcha – eu falo na Gaúcha porque é onde eu trabalhei mais tempo – ligava local e botava no ar. Agora, se ligasse lá de Rio Pardo, de Lageado, não chegava aqui. A Rádio Gaúcha foi fazia uma transmissão, fomos o Antônio Carlos Resende, o Samuel Madureira Coelho e eu, a Bagé, o Grêmio jogava lá, em 58, 59, por aí, a Guaíba tinha um equipamento extraordinário e fez uma transmissão com um som, parecia que estava no estúdio, SSB. E nós arrumamos um equipamento dos Correios e Telégrafos, lá. Irradiamos por quinze minutos e depois não fizemos mais nada. Então, para tu editar lá: 12 campeonatos sul-americanos de basquete, 6 mundiais de vôlei, cinco copas do mundo, 78,82,86,90,94; 25 transmissões de Fórmula 1.

P - Até que ano o senhor transmitiu fórmula 1?

Sérgio Moraes -Até o Emérson parar. Com o Ayrton Senna eu já não fiz mais. Porque aí a televisão já fazia e o rádio perdeu... Aí o que aconteceu: você ia fazer a transmissão de fórmula 1, mas ia pro estúdio via na televisão e narrava.

P - E como foi a história do Lauro Quadros?

Sérgio Moraes -O Magrão, o Lauro Quadros, apareceu lá na Gaúcha em 1958, 59 ou 60 e tinha uma voz e o Ari dos Santos me dizia: "O cara está me enchendo o saco..." "Ari, o cara é gente boa, o cara vive divulgando a gente pelos estádios. Quem sabe a gente dá uma chance para ele aí?" "Então, tá, vai contigo gravar". Aí foi comigo e gravou bem. O Lauro foi um grande repórter, inclusive na Guaíba. Bah, o Lauro foi uma sumidade. Melhor que eu. Te digo, tenho autocrítica para isso. Seguiu o meu estilo, sim. Tenho autocrítica. Na minha época, eu era insuperável, aqui, mas o Lauro, se eu fosse concorrer com ele, me ganhava. Então um dia, ele escrevia tudo. Um dia eu gravava um programa chamado Ronda nos Estádios. Todo o dia, nos coletivos de apronto, falava o técnico do Floriano, o técnico do Aymoré, o ténico do Grêmio Bagé, do Inter, do Grêmio... todo mundo que ia jogar domingo. E o Lauro, um dia eu me irritei com ele. Depois de botar o Lauro, dar o caminho para ele, o Lauro chegou para mim e disse "Vamos gravar" "O que é isso? Eu já estava observando ele há muito tempo. "Isso aqui é (Sérgio Moraes mostra uma folha de papel e depois simula que está rasgando toda ela) "Meu deus do céu!" "Tu vai gravar agora só com a voz do técnico e dizer como foi o treino de improviso. Porque se não fizer isso hoje, não vai fazer nunca mais na tua vida. Tu vai escrever a vida inteira. E repórter não escreve, só cara de jornal". Ele foi lá e gravou. Foi o melhor repórter que o Rio Grande do Sul teve na história do Rádio Esportivo. E o Éldio Macedo não foi o melhor, mas também foi um grande companheiro que eu botei na Rádio Gaúcha.

Comentários

Atila Peçanha disse…
Este tópico só tem um erro, que merece reparação.

Sérgio Moraes não FOI pai de Sérgio Américo.

Sérgio Moraes É pai de Sérgio Americo.

Pai é sempre pai, não importa em que nível está.

Sérgio está lá no alto acompanhando e guiando seu filho aqui neste nível.

Abraços
Atila Peçanha
Anônimo disse…
Meu nome é celso moraes junior , sobrinho do grande ségio moraes, sou filho do engenheiro a quem ele se referiu na entrevista maravilhosa q li a pouco. abraços celso moraes
Anônimo disse…
Meu amigo é neto de sergio moraes , vc deve conhecer ele nome Bruno Moraes. meu nome gabriel
Anônimo disse…
Meu nome é Bruno Moraes Pacheco Dantas. Filho da Rosângela Moraes
e neto do Sérgio Moraes.

Celso, minha mãe é afilhada do teu saudoso pai, tua prima-irmã.

O que a Internet faz ...

Abraço, Bruno & Rosângela Moraes.
Unknown disse…
Sou Camilla Gimenez Moraes, filha de Sérgio Américo e neta de Sérgio Moraes.. fico feliz por ele ser lembrado.. :)
Anônimo disse…
eu ivan gomes,brasilia d.f já ouvir muitos gols do mengão com sergio moraes,era muito bom...
Unknown disse…
E verdade o senhor tem razão, sou a filha dele Rosângela Moraes e ele sempre será meu pai!! Obrigada pelo comentário!!
Unknown disse…
Sim vc tem razão, o Bruno é neto de Sérgio Moraes, sou a mãe do Bruno, filha de Sérgio Moraes!!! Abraços

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