Texto de Teixeira Heizer- Alô... Waldir Amaral

Boa noite a todos,

há alguns meses, achei um texto no blog do Patolino, um texto do cronista e jornalista Teixeira Heizer, datado em 08 de outubro de 1997. Na época, o rádio esportivo carioca e como um todo, estava comovido com o "desencarne" devido a um infarte, do Mestre Waldir Amaral , que havia morrido no dia anterior.

As matéria e coluna eram do Jornal O Dia e se chamava "Jogo Bruto". Vale a pena recordar...

Um grande abraço e beijos,

Isabela Guedes.
blogdoradiocarioca@yahoo.com.br
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"Alô, Waldir..."
*Por: Teixeira Heizer


"Melhor do que Waldir Amaral no rádio esportivo, ninguém. Na linhagem de Gagliano Neto e Oduvaldo Cozzi, indentificada pelo gosto pela frase bem construída, o correto locutor goiano soube captar a sensibilidade ao torcedor tão importante quanto os protagonistas da cena- os jogadores.

Meio interjetivo, característica herdada de seu antecessor, Waldir Amaral era perfeito na manipulação das orações intercaladas. Usava-as como elemento de explicação. Manobrava com apostos e continuador, entrincheirando-os com discrição. Jogava um coletivo no princípio da oração e conseguia fazer a concordância lá na frente, com absoluta correção.

Para cada lance, uma intercalada explicativa. Para cada jogador, um atributo. Didi era o Príncipe Etíope; Telê, o Fio da Esperança; Rubens, o Costureiro de Paris; Coronel, a Maior Patente do Vasco e do jogo; Escurinho, o Boca-Negra de Minas; Valfrido, aquele atacante magrinho e comprido, coube-lhe bem o apelido de Espanador da Lua; Garrincha, o Demônio das Pernas Tortas e mil outros que desfilaram ante seus olhos neste meio século.

Estudante de Direito, conhecemo-nos em 1954. Goiano, Waldir já tinha trabalhado na Rádio Mayrink Veiga. Agora, já era reserva de Oduvaldo Cozzi, na Emissora Continental, em dupla com Sérgio Paiva. "Alô, Waldir..." era a chamada que Cozzi lançava nos ares, acionando seu locutor coadjuvante. O chamamento marcou época e perdura até hoje nos ouvidos, cinqüentões e sessentões. Brilhava nas transmissões de várias modalidades de esportes, mas confidenciou, certa vez que se emocionava mais com o basquetebol.

Narrou quase todas as Copas, até os anos 80. Orgulhava-se de ter sido o locutor da Olímpíada de 1952, em Helsinque. Em 1961, deixou a emissora Continental pela Globo, com um contrato milionário pago pela Gillete. Lá, foi locutor, chefe de esportes e diretor comercial, sempre com grande sucesso. Nos últimos tempos, transmitia lentamente. A voz perdera o viço, o peito, o vigor para os gritos nas jogadas de área. Via, entrestecido, o definhamento de sua audiência. Outro narrador, cheio de méritos-Jorge Curi- ganhava terreno na Rádio Nacional.

Como compadre e amigo, advertio- da situação perigosa pela qual passava. Lento e sem recursos vocais, ele não poderia enfrentar mais o vozeirão de Curi. Aconselhei-o a parar de transmitir a fim de não perder o trono. Deixou-me sorridente, jeito zombeteiro, e na despedida, ar de mistério, disse-me: "Você vai ver o que farei". Semana depois, sintonizei a Rádio Globo. Pois lá estava Curi transmitindo a meia com Waldir Amaral. Cada qual um tempo. Espertamente, Waldir trouxe o inimigo que o ameaçava para a mesma trincheira em que guerreava. Ali, conseguiu a proeza de comandar três temperados por nitroglicerina: Curi, Saldanha e Mário Vianna.

Por desentendimentos com os novos diretores, deixou a Rádio Globo. Tentou a Nacional, fraca em audiência e sem recursos técnicos.Inutilmente. Depois, a Jornal do Brasil, que nunca transmitira futebol. Sem sucesso.

Como profissional, Waldir captava o gosto popular como ninguém. Construía os melhores bordões visando ao seu público. Até hoje, é comum ouvir-se da boca dos mais jovens:"Tem peixe na rede". Criou um público feminino, cortejando as torcedoras, reduzindo-as com um vocabulário próprio e mexendo com a alma. Houve momentos em que sua liderança no Ibope era tal que diziam impropérios em outros canais. Sem ressonância, por sinal.

Tinha coração mole. Na Emissora Continental, os funcionários estavam com salários atrasados. Eis que Waldir solucionava o problema, pagando dos seus recursos. O reembolso viria depois. Mas foi ali, na pequenina Continental, que ele fincou sua barricada, lutou contra advversários poderosos. Venceu-os.

Exigente, ensinou locutores, comentaristas e repórteres a trabalharem com seriedade. Sustentou um espírito altamente profissional em seus comandados, dirigindo uma equipe disciplinada zeladora das normas e éticas que regem o jornalismo radiofônico. Quem não teve sorte de trabalhar com Waldir, pelo menos conhece seu comportamento profissional. E o imita.

Certa vez, despiu-se de sua condição de rei do rádio esportivo e questionou-se sobre um grave problema que o aflingia: a rouquidão. Médico nenhum dava jeito. Aconselhei-o a usar um sistema de interrupções na transmissão, através de spots rápidos com o prefixo da estação. Era o tempo suficiente para o gargarejo. Pouco a pouco, lançou musiquinhas para anunciar situações. Surgiram, então, os ingredientes que, afinal, tornaram-se obrigatórios.

Os seus imitadores não se deram conta, de que, a utilização daqueles recursos técnicos e musicais visavam a lhe permitir a jornada exigida por sua cansada garganta. "Eles embarcaram na canoa sem saber porque estavam remando daquela maneira", lembrou o esperto locutor da Rádio Globo.

Lembro-me de Waldir de todos os tempos. O da fome, na Djalma Ulrich, quando dividíamos refeições(que ele generosamente, quase sempre pagava). O do apartamento da Rua Julio de Castilhos, visitado por mil mulheres, dentro do secretismo que o assunto envolvia. A fase de sua louca paixão, a jovenzinha de 17 anos com que se casou e teve duas filhas.

Waldir Amaral a um pragmático cientista da comunicação social. Lembro-me de sua principal lição, que tanto absorvi até hoje: "Não fale o que o ouvinte não possa ver. Ele tem que imaginar e criar a cena do que você está narrando." Daí o slogan: "veja o jogo, ouvindo a Rádio Globo".

O Rei do Rádio foi assim, até o momento da sua despedida após os jogos, quando, voz rouquenha, declarava: "está deserto e adormecido o gigante do Maracanã...".

Waldir Amaral está vivo por aí, pelos campos do mundo, na voz da maioria dos narradores esportivos que ensinou a trabalhar. Para ele, o jogo não terminou.".

Comentários

Anônimo disse…
fantastica a sua narrativa sobre um dos maires locutores do radio mundial
Que texto. Infelizmente só agora li. Saudade de Waldir, do Cury, do João, do Mario Vianna com dois enes e do Teixeira. Fazem falta.

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